A Experiência San Fermin
Três dias em uma das festas mais tradicionais (e polêmicas) da Espanha.
Chegada do Encierro à Plaza de Toros |
“No domingo, 6 de julho, produziu-se a explosão da fiesta. Não há outra maneira de expressá-lo.” Com essa frase, Jake introduz a festa de San Fermin no livro ‘O Sol Também se Levanta’, do escritor Ernest Hemingway. E foi a partir desse livro que se alavancou a fama mundial deste evento secular.
Todos os anos, entre os dias 06 e 12 de julho, Pamplona, na região de Navarra, ao norte da Espanha, realiza as festividades de San Fermin. A festa, regada a muito vinho, seios a mostra e touros, é uma das maiores da Europa e atrai turistas do mundo inteiro. Porém, o que torna a festa realmente um sucesso são os encierros, ou corrida de touros, que trataremos em um outro texto.
A seguir, algumas informações para quem quer conhecer a fiesta.
Moça dorme em cabine telefônica, na estação de trens. |
O que é preciso saber antes:
• Na cidade existe apenas um hostel da rede HI, cujas reservas se iniciam no começo do ano, e lotam dias depois. Se quiser se hospedar lá, seja rápido. Tem gente que resolve acampar ou até dormir ao relento pelas praças e áreas verdes da cidade, isso é bastante comum, mas não é seguro;
• Pamplona fica em Navarra, no País Basco, região com ideais separatistas muito fortes. É recomendável evitar qualquer comentário ou alusão de que ali ainda seja a Espanha. Para você pode ser a mesma coisa, mas, para eles, não. Aceite: lá não é Espanha;
• Em hipótese alguma pense em usar calçados abertos ou delicados, como chinelos, sandálias e sapatilhas. As garrafas de vidros ainda não foram proibidas por lá. Há muito vidro quebrado pelas ruas e o risco de cortes é grande. Tênis ou botas precisam ser seus companheiros inseparáveis;
• A roupa branca é praticamente obrigatória. Leve uma para cada dia de festa que você for passar lá (no fim do dia, o destino delas é, invariavelmente, o lixo). Você também pode deixar para comprar lá, junto com a faja da cintura e o pañuello para ser colocado no pescoço, esses, sim, obrigatórios. Mas, atenção! O pañuello só deve ser amarrado ao pescoço depois do Chupinazo, que explicaremos logo a seguir.
Chupinazo |
Lenços para cima que a festa vai começar!
No final da manhã do dia 06 de julho, a multidão se concentra na Plaza de Consistorial, onde fica o Ayuntamiento (prefeitura), para ver o Chupinazo. O evento é a abertura oficial do festival. Ao meio-dia em ponto, o representante municipal convoca os pamploneses a dar um viva e um gora (‘viva’ em Euskera, idioma do País Basco) a San Fermin. Com os pañuellos para o alto, os gritos de Viva são seguidos de foguetes e banhos de vinho. Só então podem-se amarrar os panos nos pescoços.
Os separatistas costumam tentar burlar a polícia espanhola e entrar na praça com a bandeira do País Basco. Se isso acontecer, mantenha a calma e tente não ser pisoteado ou morrer por asfixia. Não estamos exagerando! Se não quiser passar aperto, bem pertinho dali, na Plaza del Castillo, o Chupinazo é transmitido por telões. O ambiente é mais calmo, com famílias, crianças e idosos.
Fuenting |
Tudo é festa
Pelas ruas e praças, só se vê bebedeira, música e animação. Os bares lotam, as pessoas brincam, jogam vinhos umas nas outras. A pedidos da multidão, muita água é lançada das varandas pelos moradores. Artistas de rua aproveitam para mostrar suas habilidades e faturar algum trocado com suas performances. Muitos rapazes aproveitam a festa para fazer despedidas de solteiro. E as mulheres aproveitam para soltar a franga: desinibidas pelo vinho, mostram os seios sem qualquer pudor.
Uma das brincadeiras mais perigosas, e que a prefeitura e a polícia tentam coibir, é o fuenting. Bêbados corajosos escalam a Fonte de Navarreria e se jogam sobre os braços dos amigos, nem sempre tão amigos assim. Acidentes e mortes não são raros.
Durante o festival também ocorrem apresentações musicais nas praças e parques da cidade e as ruas ficam cheias de gente durante todo o dia.
Gigantes |
Mas onde fica a tradição?
Dentre as atividades tradicionais do evento, a procissão de San Fermin acontece no dia 07 de julho e é bastante disputada por devotos do santo. Não conseguimos participar da procissão, mas acompanhamos pelos jornais e televisão. Bandinhas de música desfilam todos os dias, em várias partes da cidade. Junto com elas, gigantes e cabezudos, algo muito parecido com os bonecos gigantes de Olinda, passeiam amedrontando as crianças e causando risadas nos adultos.
Um evento que sempre gera grande expectativa e grande frustração é o Riau-Riau. Trata-se de um desfile com a principal banda da cidade, tocando a mesma música-tema durante todo o cortejo. Por questões políticas, alguns grupos tentam impedir a continuidade no Riau-Riau. Segurar a banda, a fim de que ela não conclua o trajeto acabou também se transformando em tradição. A brincadeira ficou tão séria que o evento foi abolido, há 15 anos. Em 2012, houve uma tentativa de retomá-lo. Infelizmente, um grupo usou de violência para boicotar o Riau-Riau. A polícia fez corpo mole e a banda se recolheu antes mesmo de o desfile começar.
Monumento al Encierro |
O que visitar?
Caminhar pelo trajeto do Encierro – Desde os Corrales até a Plaza de Toros, 800 metros de história. Atenção especial para a Plaza do Ayuntamiento.
Monumento al Encierro – Obra do artista plástico Rafael Huerta, representa uma corrida de touros.
Museu del Encierro - Com histórias e curiosidades sobre a corrida. Lá existe um simulador, onde os malucos vão treinar para correr no dia seguinte.
Iglesia de San Fermin – Apesar de não ser o padroeiro da cidade, San Fermin é o santo de maior devoção em Pamplona. Vale a pena visitar igreja consagrada a ele, nem que seja pela estonteante vista.
Plaza del Castillo – Um palco armado na praça recebe DJs, bandas e apresentações de dança. Os bares da praça põem mesas na calçada.
Lojas do Kukuxumusu – As personagens do Kukuxumusu ultrapassaram a fama da festa e, hoje, são marca registrada não só de San Fermin, como de toda a Espanha. Se der sorte, você conhecerá o simpático Mr. Testis, touro símbolo da fiesta.
Touradas – Se você quiser ir às polêmicas touradas, precisa comprar os ingressos com antecedência, pois eles esgotam rápido. Mas vá sabendo o que todo mundo já sabe: o touro morre no final. Nós não fomos. Mais leve é a chegada do encierro, que também acontece na Plaza de Toros. Bem mais barato do que as touradas, dá pra ver o fim da corrida e a soltura das vaquillas (touros jovens) entre os corredores, para o delírio dos espectadores.
Conectados
Há aplicativos do festival para baixar em iPhones, iPads e smartphones, além de fanpage no Facebook e até contas no Twitter.
Sites
Blogs
Sanfermin.com – Administrado pelo pessoal do Kukuxumusu, tem o melhor conjunto de informações sobre a festa.
Girls run with the bulls – Para voce se inspirar e correr o encierro, cinco blogueiras se juntaram, correram em 2012 e relataram aqui.
Páginas para curtir no Facebook
Twitter
@Sanferminlive – As melhores informações de San Fermin.
@Mistertestis – O simpático touro símbolo do Kukuxumusu.
@Sanferminstore – Loja pertencente ao Museo del Encierro.
@kukuxumusu – Twitter oficial da loja.
@girlsrunwbulls – Twitter do blog Girls Run With The Bulls. Elas prometem correr novamente em 2013.
Aplicativo
MAS PERAÍ! E OS TOUROS???
O ENCIERRO
Nosso personagem (e meu marido) correndo com os touros em Pamplona. |
Na nossa cultura é tudo muito estranho ver pessoas se divertindo enquanto põem em risco suas vidas, correndo ao lado de touros de mais de 300kg. Tradições à parte, os encierros ou corrida de touros de Pamplona têm fama mundial e fazem parte da lista de coisas para se fazer antes de morrer de muitos viajantes. Correr nesse evento é algo que traz uma sensação de desafiar a próxima vida, e de que existem muitos outros loucos que concordam com você.
Os encierros surgiram quando os touros que eram conduzidos pelos pastores até a Plaza de Toros (que é, na verdade, uma arena) começaram a ser seguidos por outras pessoas que ajudavam gritando e açoitando os animais. Os açougueiros da rua Santo Domingo (início do trajeto atual) foram os pioneiros da brincadeira, por esse motivo, todos do festival de San Fermin usam roupas brancas, semelhantes às dos açougueiros.
Por muitos anos as corridas, bem como o festival, eram um fenômeno local e desconhecido do resto do mundo. Sua fama se deve ao livro Fiesta, do escritor norte americano Ernest Hemigway, um apaixonado pelo festival e pelas touradas. Até hoje, Hemingway é uma figura amada e respeitada pelos pamploneses com direito a bustos, nomes de prédios e até roteiros turísticos por pontos que tem alguma relação com o escritor e seus livros.
Estando em Pamplona, uma visita ao Museu del Encierro é obrigatório para conhecer mais sobre a festa e sobre o escritor que ajudou a popularizá-la. Aproveite, caso decida correr, para treinar no simulador de encierro, uma esteira com óculos de realidade virtual que imita a corrida.
Logo cedo as ruas são isoladas por um contingente policial, limpas pela prefeitura e conferidas por agentes municipais. Dentro das cercas de madeiras, fica apenas quem vai correr. Os corredores deve chegar antes das 07h30, senão ficam de fora. Uma vez dentro, você ainda pode ser expulso se estiver de sandálias nos pés, filmadora em punho ou trajando objetos que possam atrapalhar, como mochila, chapéu. Também não pode permanecer quem apresenta estado de embriaguez. Os policiais não negociam. Expulsam mesmo! E em caso de acidente durante a corrida, a Cruz Vermelha socorre os feridos.
Jayme correndo com os touros. |
A corrida
Todas as manhãs da festa, exatamente as 08h00, cerca de dez touros são soltos de um curral na Rua de Santo Domingo e seguem por 800 metros, passando pela Plaza de Consistorial, Rua Mercaderes, Rua Estafeta, dobram em frente ao prédio da Telefónica e entram no Callejón, último trecho antes da arena.
É praticamente impossível correr o percurso inteiro, graças à velocidade dos touros, que é bem maior que a de um ser humano médio. Meu marido, José Jayme Fonseca, correu no dia 08 de julho de 2012. Ele conta a experiência: "Quando corri, optei pelo trecho da Estafeta por ser um dos últimos. Os touros correm de forma previsível, em um ritmo mais lento por já estarem cansados. Estatisticamente, é onde acontecem menos acidentes. Os primeiros metros são os mais velozes. A esquina da Mercaderes com a Estafeta (conhecido como curva da morte), e o trecho conhecido como Telefónica contabilizam mais acidentes".
Ao longo do tempo da corrida são lançados três foguetes que orientam os participantes. O primeiro informa que as porteiras foram abertas. O segundo, que o último touro saiu do curral. E o terceiro avisa que o último touro já entrou na Plaza de Toros. Tudo isso é muito importante pois, em meio ao tumulto, um ou mais touros podem se desgarrar dos demais e ninguém quer ser pego de surpresa por um touro desorientado quando imagina que todos já entraram na arena. Mas não termina por aí.
A corrida acaba na arena, onde uma multidão que pagou ingresso para ver a chegada esta lá, entusiasmada com o evento. Após o fechamento dos portões, quatro tourinhos são soltos um a um para desespero dos corredores e delírio da plateia. Os tourinhos tem um tampão em seus chifres o que evita maiores machucados e a diversão é tentar desviar dele, correr ou mesmo saltar por cima. Alguns tentam se agarrar ao animal, muitas quedas, corridas e torções acontecem mas sem maior gravidade. Para quem adora torcer para o touro, esse é um ótimo programa.
Conselhos para quem vai correr:
- Estar em plena forma física e etílica. Correr embriagado é uma insensatez que, apesar dos avisos, é cometida por muita gente;
- Esteja atento ao seu redor. Por incrível que pareça, a maioria dos acidentados são entre os próprios corredores: tropeços, pisadas etc. Olhar para frente e ver se todos estão correndo é tão importante quanto olhar para trás e ver se o touro está a uma distancia segura;
- Ao contrário do que se imagina, o objetivo dos touros não é chifrar ninguém, e sim, sair dali. Logo, se você tentar incitar o bichano, ele desviará sua trajetória para dar uma lição em quem o perturba. E é nessa hora que a corrida se torna perigosa;
- Os pastores que estão de roupa verde, trabalham para manter os touros em sua trajetória. Eles não devem ser atrapalhados de maneira nenhuma;
- Correr atrás ou na frente dos touros não é recomendado. Existe muita gente que faz isso mas são corredores profissionais. Alguns correm ao lado do touro, tentando tocá-los. Também não é seguro;
- Pior do que correr errado é ficar parado. Você pode ser atingido por uma multidão assustada e criar um efeito dominó. E nem tente pular as cercas ao lado das ruas pois a polícia te joga de volta;
- A principal dica: se cair, fique no chão! Proteja a cabeça e encolha as pernas, deixe as pessoas e os touros passarem. Pode ser doloroso ser pisado por eles mas é muito pior ser atingido ao se levantar. Geralmente alguém toca em você para dizer que a corrida e que você já pode se levantar.
Números
Depois de correr, Jayme comemora. |
Desde o início dos registros oficiais, em 1924, ocorreram15 mortes. A última foi em 2009;
O dia em que corri, 08/07, registrou a maior quantidade de participantes de 2012: Foram 4.200 participantes. O menor encierro foi no dia 13/07, com 1900 corredores;
Mais da metade (60%) dos corredores que estavam ali pela primeira vez. Apenas 15% dos corredores são experientes e habituais;
Os mesmos 60% representam corredores estrangeiros.Nesse ano houve um crescimento no número de estrangeiros devido à crise, mas a proporção em geral é de 1 para 1. Os americanos era a maioria dos estrangeiros (22,5%), seguidos dos australianos ou neozelandeses (13%). Ingleses eram 6,3%. O grupo dos sulamericanos correspondia a 2%;
A corrida é predominantemente masculina. Só 8% dos participantes são mulheres;
Dos corredores, 63% haviam dormido na noite anterior, sabiam das regras e dos riscos da corrida, ou seja, estavam preparados. Os totalmente desinformados sobre os perigos eram 2%;
Não vi brasileiros correndo e, mesmo na festa, encontramos apenas dois rapazes. Quando falávamos a nossa nacionalidade, muitos se surpreendiam, por ser raro.
A Conexão Nordeste foi o único órgão de imprensa brasileiro oficialmente cadastrado para a cobertura do evento em 2012.